O grupo Leão Coroado foi fundado em 8 de dezembro de 1863 e sempre participa do Carnaval de Recife e região metropolitana. É o mais antigo grupo de maracatu de baque virado em evidência, sem interrupção de atividades desde sua fundação. Hoje, é reconhecido oficialmente pelo governo de Pernambuco como Patrimônio Cultural Vivo. É também considerado Símbolo de Resistência Negra.
Atualmente, o Maracatu Leão Coroado está sediado em Águas Compridas, bairro da periferia de Olinda, região metropolitana do Recife, sob o comando dos familiares de Mestre Afonso Aguiar Filho, falecido em 2018. Seu mais famoso dirigente foi o lendário Mestre Luiz de França, um ícone do maracatu, que comandou o grupo por mais quarenta anos (de 1954 a 1997, ano de sua morte). Ele assumiu a liderança herdada por seu pai, um ex-escravizado africano, fundador do grupo.
O maracatu feito pelo grupo Leão Coroado tem um grande vínculo com a religião e os orixás, já que nasceu em uma casa de candomblé. Por isso, hoje há mais grupos de baque solto do que de baque virado. "Hoje as pessoas não querem sair no maracatu tradicional por preconceito ao candomblé, sendo que muitos deles são somente um grupo percussivo, durante o Carnaval", explicou mestre Afonso durante a passagem do grupo pela Vila de São Jorge, em 2009, para participação no Encontro de Culturas Tradicionais da Chapada dos Veadeiros.
BAQUE VIRADO
O maracatu tem suas origens no século XVII, quando foi criada a Instituição Mestra. Através dela, a Coroa Portuguesa autorizava os negros, escravizados ou libertos, a elegerem seus reis e rainhas. Estes tinham a função simbólica de líderes.
Entre os personagens do maracatu estão o rei e a rainha, príncipes e princesas, barões e baronesas, embaixador e embaixatriz, além das catirinas e batuqueiros, que representam os vassalos, usando roupas mais simples. Já a boneca chamada Calunga, que representa um ancestral, é feita de madeira e vestida com roupa de seda.
O grupo se apresenta como em uma procissão, fazendo um cortejo africano. As pessoas vão dançando na frente, formando o cortejo que é seguido pela percussão. O mestre canta e outras duas pessoas fazem o coro. O maracatu de baque virado sempre começa em ritmo compassado, que depois se acelera, embora jamais alcance um andamento muito rápido.
Tem como seguidores os devotos dos cultos afro-brasileiros da linha Nagô. A música vocal denomina-se toadas e a virada do baque é determinada pelo som de um apito.
ENCONTRO DE MARACATU
Em 2009, no Encontro de Culturas Tradicionais da Chapada dos Veadeiros, o Leão Coroado se encontrou com outro grupo de maracatu de Pernambuco, o Piaba de Ouro. Foi um encontro do maracatu de baque solto, do grupo Piaba de Ouro, com o maracatu de baque virado, do Leão Coroado.
A principal diferença entre os dois estilos está em sua origem. O maracatu de baque solto tem origem rural, foi criado no canavial, além de ter instrumentos de sopro em sua formação. Já o maracatu de baque virado, composto somente por instrumentos de percussão, tem sua origem na cidade, além de fazer uma crítica à Corte Portuguesa por meio do vestuário utilizado e por ter um rei e uma rainha negros.
Maracatu de baque solto e de maracatu de baque virado se revezavam, cada um com seu estilo. O Leão Coroado era comandado pelo mestre Afonso, que, com seu apito, fazia a marcação para o fim de cada toada. O Piaba de Ouro, sob o comando do mestre Cleiton Salustiano, entoava versos que anunciavam a junção dos batuques. "É diferente, dois batuques num lugar / Quando se juntam, faz poeira levantar". E assim começou o cortejo dos maracatus. Os grupos, acompanhados também pelos blocos de percussão Maria Bonita e Coró de Pau, além de uma multidão de moradores, turistas e outros artistas como Abu Bakr, passaram pelas ruas de São Jorge em direção ao palco, dando uma amostra do que seriam as apresentações de mais tarde.
MARACATU LEÃO COROADO
A festa dos maracatus continuou durante a noite no palco. O grupo Leão Coroado, com as cores vermelho e branco, se apresentou primeiro, sob o comando de mestre Afonso. "É um prazer participar desse evento que é de grande envergadura para nossa cultura", disse ele, dando início ao show.
Ao som do agogô, mineiro, caixa de guerra e das alfaias, as toadas eram cantadas, enquanto o cortejo tinha início na quadra, junto ao público. O rei, a rainha, os vassalos, baronesas e embaixatriz se apresentam em procissão, representando um dos sentidos da festa do maracatu de baque virado, que é a coroação do rei e da rainha dos escravos.
O luxo da roupa dos personagens se contrasta com a simplicidade dos vassalos, que participam da procissão descalços, em uma crítica à Coroa Portuguesa. Além disso, uma boneca é carregada, vestida com roupa de seda, em homenagem aos ancestrais. A boneca do Leão Coroado se chama Dona Isabé, uma alusão à princesa Isabel.
A princesa também é citada em muitas das toadas feitas pelo grupo durante o show. "Como o maracatu foi fundado na escravidão e ela assinou a 'falsa' abolição, muitas toadas fazem homenagem a ela", explica Mestre Afonso. "Onde vai dona Isabel, vou passear / Vou buscar ramo verde pra brincar / É pra brincar, é pra brincar / Vou buscar ramo verde pra brincar".
A beleza das roupas e da apresentação encanta quem está assistindo e as toadas rapidamente são aprendidas e acompanhadas por todos. "Lanceiro novo eu sou de Minas Gerais / A licença foi tirada pelo barão de Caxangá".
O maracatu feito pelo grupo Leão Coroado tem um grande vínculo com a religião e os orixás, já que nasceu em uma casa de candomblé. Por isso, hoje há mais grupos de baque solto que de baque virado. "Hoje as pessoas não querem sair no maracatu tradicional por preconceito ao candomblé, sendo que muitos deles são somente um grupo percussivo, durante o carnaval", explica mestre Afonso.
Antes de terminar a apresentação, o Leão Coroado chamou ao palco os integrantes do Piaba de Ouro. "O mestre Salustiano que chegou na hora certa / Com seu Piaba de Ouro e o sonho da rabeca". Os dois grupos se apresentaram juntos e os personagens do Piaba de Ouro entraram na quadra se misturando ao público. Era a vez deles tomarem conta da festa.
Eram quase 22h quando os caboclos do Piaba de Ouro entraram na quadra e a orquestra se posicionou no palco. Rei, rainha, caboclos e mulheres roubaram a atenção do público com as cores fortes e vibrantes de suas fantasias. Mestre Cleiton Salustiano improvisava versos sobre o Encontro de Culturas e a Vila de São Jorge enquanto os músicos faziam a platéia pular ao som acelerado do maracatu de baque solto.
O grupo Piaba de Ouro foi criado em 1977, quando o mestre Salustiano, pai do mestre Cleiton, que morreu em agosto de 2008, se reuniu com amigos e formou o Maracatu. O nome é uma homenagem a um rio de Olinda, chamado Piaba de Ouro. Segundo mestre Cleiton, a idéia surgiu devido a outros maracatus de Pernambuco levarem nomes de animais. Quanto ao termo 'baque solto", o líder do grupo explicou: "O nome tradicional é maracatu rural, porque a origem é do engenho da cana".
Existem dois tipos de caboclos no maracatu de baque solto: o caboclo de lança e o caboclo de pena. "A lança do caboclo representa o guerreiro do maracatu, é pra ele se defender nos confrontos maracatus. O caboclo que usa fantasia de pena é o índio que pede a paz no maracatu. O chocalho da fantasia é um aviso que o caboclo está passando ou chegando em cada povoado", esclareceu mestre Cleiton.
Outra característica marcante do Piaba de Ouro é a presença de instrumentos de sopro. O grupo é um terno e o conjunto de músicos é chamado de orquestra justamente pelo trombone e pela corneta. Entre os instrumentos de percussão estão o tarol (ou caixa), surdo, ganzá, cocalhos, porca (cuíca), zabumba e gonguê. O mestre de apito completa o grupo. Outra diferenciação é que no maracatu rural o coro é exclusivamente feminino.
Os títulos de Rei e Rainha do Maracatu são dados, a cada ano, às pessoas dedicadas dentro do grupo. E as fantasias são feitas pelos próprios caboclos e mulheres . "A maioria é cada um que faz sua roupa, com o seu gosto de cor e de tecido. Cada um usa sua criatividade pra fazer o desenho da sua roupa", disse mestre Cleiton.
Antes de encerrar sua apresentação, o grupo Piaba de Ouro convidou o Maracatu Leão Coroado para tocarem e cantarem juntos. Assim como no cortejo da tarde, os dois se reverazam e o público tentava acompanhar as duas batidas. O mestre Salustiano, criador do Piaba de Ouro, foi homenageado duarante a junção dos maracatus. Ao final, a cantora Lia de Itamaracá, responsável pelo encerramento da noite subiu ao palco para cantar com os dois maracatus.