“Ô viva, ô viva / Torna a revivar / Viva Santa Efigênia / Que viemos festejar” (Congo de Niquelândia, música: Santa Efigênia)
De acordo com os congadeiros, em Niquelândia, a tradição da congada nasceu no quilombo Xambá, onde viviam negros fugidos das senzalas de Vila Boa (Cidade de Goiás), Meia Ponte (Pirenópolis) e São Félix (Cavalcante). O grupo homenageia Santa Efigênia, a protetora do município. Registros apontam que a santa era uma negra, foi escravizada e, depois, atirada em uma fogueira. Para os devotos e participantes da congada, ela é uma rainha.
Festejos
Tudo começa com a capina do largo. Em seguida, são realizados o levantamento do mastro da santa, o cortejo, a procissão, as missas e almoços de confraternização oferecidos pela imperatriz e o imperador de Nossa Senhora do Carmo. A organização fica por conta dos chamados festeiros, responsáveis pelo preparo da festa. Ao todo, são cinco festeiros de Santa Efigênia e cinco de Nossa Senhora do Carmo. A congada “trabalha” para as Santas, cantando e dançando, em uma formação fixa, constituída por duas filas paralelas, na rua e nas casas dos festeiros e promesseiros.
Valdivino Fernandes, 49 anos, capitão do grupo há mais de dez, conta que até pouco tempo atrás, antes de assumir o comando do grupo, os brancos não podiam participar da congada. Apenas os que desejavam pagar uma promessa feita à santa eram aceitos, mas assim que a promessa era paga, eles precisavam sair.
“A característica do congo chama-se negro. Hoje não, mas quando eu comecei nas congadas, há quarenta anos, não tinha participante branco. Se a pessoa tivesse alguma promessa a pagar, ele tinha que dar muita sorte de os outros deixarem ele entrar na congada. Só que entrava, pagava sua promessa e saía. Mas aí as coisas foram mudando aos poucos. Quando eu entrei para ser capitão, há dez anos, eu achava que Santa Efigênia era negra, mas os milagres dela eram pra branco e pra negro. Aí, quando a congada passou a ser comandada por mim, eu disse: eu não acredito que Deus seja só para os pretos, tem que ser para os brancos também. Pra mim não existe isso de preto e branco, todos são iguais. Hoje em dia não importa se é branco ou preto. Se gostou, se tá fazendo direitinho, pode continuar no grupo.” (Valdivino Fernandes, capitão do Congo de Niquelândia).
Vestes e instrumentos
Os congadeiros de Niquelândia usam roupas brancas em homenagem a santa e também para representar a influência da cultura africana na tradição. Usam, ainda, um lenço branco na cabeça, preso com uma faixa decorada com medalhas de santos.
Os enfeites nas faixas variam de acordo com o gosto e devoção de cada participante. Presas à faixa, na parte de trás da cabeça, os congadeiros colocam penas de ema, simbolizando os índios Avá-Canoeiro que viviam na região. Compondo o resto do figurino estão a calça, saiote, camisa e paletó branco, além de uma tanga vermelha, com lenços amarrados.
De acordo com Rosiane Ribeiro Silva, coordenadora de eventos da Irmandade, o congo de Niquelândia é o único que utiliza os penachos em sua indumentária. Segundo ela, quando os negros do quilombo chegaram à cidade, se aproximaram dos índios Avá-Canoeiro que já viviam no local.
Encantados pela animação do congo, os índios juntavam-se ao grupo para dançar e presenteavam os congueiros com penachos e saiotes confeccionados por eles e incorporados à tradição.
Entre os instrumentos utilizados pelo grupo estão viola, ganzá (Espécie de chocalho em forma de um cilindro, metálico, que contém sementes ou pedrinhas para fazer o som), pandeiro, mini-onça e bumbo, que acompanham a música entoada pelos que vão à frente.
História
Registros históricos datados de 1794, encontrados no Conselho do Vaticano, na Itália, já dão conta da Irmandade e da Congada de Santa Efigênia. Esses papéis atribuem a Irmandade a responsabilidade de zelar pelo patrimônio das disciplinas dela própria e dos congos. Em Niquelândia, o costume da festa passa de pai para filho, de geração a geração, sobrevivendo ao longo dos anos.
De acordo com estudo realizado pelos pesquisadores Dr. Sebastião Rios e Talita Viana, da Universidade Federal de Goiás, intitulado A performance do olhar: a Congada de Santa Efigênia através do olhar de Johann Emanuel Pohl, a Congada de Niquelândia foi vista e descrita pela primeira vez, pelo médico, botânico e mineralogista Johann Emanuel Pohl (1782 – 1834).
Segundo eles, Pohl esteve no Brasil como membro da expedição que acompanhou a comitiva nupcial da Arquiduquesa Leopoldina da Áustria, que se casaria com Dom Pedro I, herdeiro do trono português, que vivia no Brasil.
Pohl relata que durante sua passagem pelo país, a comitiva participou da festa de Traíras, rebatizada de Tupaciguara e hoje município de Niquelândia.
Na festa predominam-se traços próprios dos povos centro-africanos, pertencentes ao tronco lingüístico cultural banto, que caracterizam o catolicismo negro.
Pohl descreve a festa presenciada por ele da seguinte forma: “No interior da igreja, nos degraus do altar, estavam dispostos dois pálios para os monarcas do dia e dois tamboretes para o príncipe e a princesa. Ao penetrarem na igreja, por entre grandes cerimônias, o padre aspergia-lhes água benta e começava a missa cantada. De tempos em tempos essas altas personalidades eram incensadas. (…) No final da missa foram lidos diante do altar os nomes daqueles sobre os quais recaíra a sorte para exercerem as dignidades no ano vindouro. Os tronos e tamboretes foram postos imediatamente na igreja e, logo que os dignitários tomaram os seus lugares, penetraram os músicos negros pela porta do templo, prostaram-se diante dos reais assentos e logo começaram a dançar e a cantar uma música africana. Ao terminar a dança, levantou-se o monarca negro e ordenou em voz alta que se começasse, com cantos e danças, a festa de Santa Ifigênia. (...) São iniciados os cantos e danças; o imperador, com o cetro, concede a bênção ao vassalo ajoelhado; (...) Santa Ifigênia é invocada várias vezes e, ao ecoar dos cantos e das músicas, por entre danças e as mesmas solenidades da entrada, efetua-se a saída. Chegando à casa,os dignitários ainda festejam o dia com um banquete em que as principais personagens passam a ser o feijão e a aguardente de cana”.
Niquelândia
Foi fundada em 1735 por Manuel Rodrigues Tomar e Antônio de Sousa Bastos, que saíram do Arraial da Meia Ponte (atual Pirenópolis) para desbravar em buscas de riquezas no norte goiano. Primeiro chegaram ao atual Trairás (também conhecido como Tupiraçaba), onde encontraram ouro de aluvial. Ali fundaram uma vila que perdurou por anos em grande desenvolvimento. Chegou a ser uma das vilas mais desenvolvidas de Goiás. Foi por um dia a capital do império brasileiro e até hoje possui construções históricas que precisam ser rapidamente restauradas.
Em 1938, o minerador alemão Helmult Brooks, garimpando na região, descobriu enormes jazidas de níquel, que atraiu exploradores do Brasil inteiro, fazendo com que a vila crescesse, rapidamente, em população e riqueza. Em homenagem ao minério que lhe deu riqueza e fama, passou a se chamar Niquelândia.
Atualmente, o município de Niquelândia, com cerca de 9843,170 km², é o maior município de Goiás. O município possui uma das maiores reservas de níquel do mundo, explorada por duas grandes mineradoras.
Além de suas belezas naturais, Niquelândia possui duas igrejas, de São José e Santa Ifigênia, que possuem altares entre os mais ricos do Brasil, feitos de ouro puro. O principal monumento histórico da cidade é a Igreja de Santa Efigênia, que foi construída pelos escravos, por volta de 1790, dando a eles um centro religioso que pudesse ser frequentado por negros. A igreja de Santa Efigênia tem arquitetura colonial, com paredes de adobe. Sua estrutura é de aroeira e o piso de cimento batido. (http://ecoviagem.uol.com.br/brasil/goias/niquelandia/)