O grupo Catireiros do Araguaia, dos municípios de Barra do Garças e Araguaiana (MT), é formado pela família de seus precursores, Orlando Fernandes e Joana de Araújo. Ele violonista, ela compositora, ambos catireiros, músicos e cantores. O casal formou o grupo inicialmente com os filhos. Netos e bisnetos aos poucos passaram a integrar o projeto. Atualmente, os Catireiros do Araguaia são formados por diversos catireiros e duplas, que cantam e tocam a música sertaneja de raiz. É considerado um dos maiores do Brasil.
"Meu avô, meu pai e eu somos catireiros", contou um dos participantes do grupo, o professor universitário de filosofia Otamiro Araújo Fernandes. Segundo ele, cada um no grupo tem sua profissão para o sustento da família. Otamiro ressalta ainda a importância da dança: "Quando tem um show, todo mundo para tudo e participa, para não deixar morrer a tradição".
Para Otamiro, o segredo da integração da família é o ensino. "Desde quando nasce, a criança já é apresentada a esta cultura e começa a ensaiar os primeiros passos de catira, assim que começa a andar", explica. "A tradição vem de berço, na verdade, a gente nem se lembra de quando aprendeu a dançar e a cantar catira", rememora.
As músicas são autorais, "minha mãe compõe letra e meu pai os arranjos musicais". Infelizmente Dona Joana, como a matriarca era carinhosamente conhecida, faleceu em março de 2020, aos 80 anos. O casal ficou junto por quase 60 anos. Uma trajetória que rendeu dois CDs, com 24 músicas gravadas, todas autorais.
Tanto homens quanto mulheres dançam no grupo. Orlando esclarece que a proposta é o resgate da dança tradicional. "Na história, a catira era dançada tanto por homens quanto por mulheres. Era um tipo de cortejo, quando os homens cortejavam as mulheres". Ele conta que depois, com o tempo, as mulheres foram saindo da dança e ficaram apenas os homens. "Agora, na década de 1990, voltou-se a introduzir as mulheres. Nosso grupo é um dos precursores nisso", diz, orgulhoso.
Os compositores da família abordam temas como as belezas do Mato Grosso e a nostalgia do homem do campo, que sai de sua terra para a cidade, em busca de melhores condições de vida. Dona Joana, que escreveu cerca de 200 letras em vida, também fez grandes declarações de amor ao marido por meio das músicas - o casal sempre foi apaixonado e se consideravam eternos namorados. "Contamos nas músicas a trajetória e a história de nossa família", explica Orlando.
A catira (canto e moda de viola), o recortado e a chula fazem parte das apresentações do grupo.
No vídeo abaixo, podemos ouvir um pouco a história dos Catireiros do Araguaia, contada pelos mestres Orlando e Joana:
ENCONTRO DE CULTURAS
Na noite da quinta-feira, 26 de julho de 2012, durante o XII Encontro de Culturas Tradicionais da Chapada dos Veadeiros, chegou a vez das tradições caipiras se apresentarem diante da Vila de São Jorge. O palco do Encontro de Culturas recebeu quatro gerações da família Fernandes, do Seu Orlando e Dona Joana. De camisas brancas, calças de jeans escuro, chapéus pretos e botinas, cinco filhos e netos se posicionaram, empunhando violas e violões. Um cajón solitário se ocupava da percussão. A melodia das cordas, acompanhada por duas vozes grossas, trazia antigas modas de viola aos ouvidos do público, deixando os mais velhos nostálgicos e os mais novos emocionados.
Os Catireiros do Araguaia completaram 53 anos neste Encontro de Culturas. Desde 1959 - com o casamento de Orlando e Joana - a família Fernandes se reúne em torno da música. “Meu pai tem uma fala que ele diz, que você pega uma criança nossa de seis meses, você coloca no chão, se ela não bater o pé pode fazer DNA que não é da família”, brinca Otamiro Fernandes. A catira foi incorporada à vida artística da família com o nascimento dos primeiros filhos, hoje eles são 25 catireiros, com até crianças de dois anos dançando. Nos shows, tocam sucessos antigos do cancioneiro popular, músicas com grande probabilidade de serem conhecidas do público do Centro-Oeste e Sudeste do país. Mas, as canções que acompanham o sapateado catireiro são autorais, todas feitas por Seu Orlando e Dona Joana.
Otamiro explica que a relação com a música é muito preciosa à família, já que mantém todos unidos com ensaios e produções, e também porque ajuda a manter a tradição regional – o que acabou se tornando um dos objetivos do grupo, “[estamos] procurando preservar essa tradição, essa cultura que é de grande importância para o Brasil, que em muitos lugares já tem se acabado e a gente tem procurado, então, manter essa tradição da música, do catira, do folclore e também da família”.
Ainda segundo Otamiro, o trabalho de resgate da cultura regional também é muito importante para o grupo, pois as produções de grande sucesso atuais não trazem ensinamentos ao público, portanto, eles defendem as músicas antigas, com histórias e lições de vida, “a gente procura manter essas músicas e cantar essas músicas, levar, defender essas músicas, por que a gente sabe que são importantes pro folclore, pra cultura de nosso país, e também levam alguma mensagem de fé, esperança, saudade, nostalgia do campo”.
A safra musical dos Fernandes já conta com três duplas sertanejas, duas delas se apresentaram em São Jorge com música de raiz – as meninas Larissa e Letícia, que aproveitaram o show para homenagear o aniversário de casamento dos avós, e Matheus e Gabriel que trouxeram outras modas. Os dois possuem a carreira, paralela aos Catireiros do Araguaia, mais sólida: fazem muitos shows e já passaram por vários programas de televisão, mas se mantêm sempre disponíveis para os compromissos dos Catireiros.
Seu Orlando e Dona Joana, os simpáticos chefes da família, participaram do show em dois momentos. Logo após primeira participação, com os filhos e netos, os dois assumiram os microfones, e Orlando tocou uma das violas deixadas no palco. Joana Fernandes fez questão de demonstrar sua fé, e agradecer a Deus pelo momento. Orlando agradeceu a presença e atenção de todos. Se mostrando feliz por estar em São Jorge, o músico disse ao público que trocou uma festa em comemoração ao aniversário de casamento pelo show, “a melhor festa para nós é ir para a Chapada dos Veadeiros”, disse ao microfone.
Quando chegou a hora de mostrar ao público o sapateado de filhos e netos, o casal voltou aos microfones. Uma das músicas contava, com um pouco de humor, a história da família. Todos os que haviam se apresentado, e alguns outros, entraram no palco em fila. Homens e mulheres, rapazes e moças, todos com o chapéu encostado ao peito em sinal de respeito.
Fortes batidas de botina em complexas sequências levantavam a terra acumulada na madeira do palco. Palmas de mãos abertas marcavam o compasso enquanto os bailarinos saltavam e trocavam de lugar. A força da tradição vinha estampada em rostos concentrados e orgulhosos, que seguravam o cansaço do ritmo rápido da dança. Quando os últimos acordes soaram na viola caipira, os dez catireiros caíram de joelhos. Mais uma vez em pé e de chapéus ao peito, eles deixaram o palco de São Jorge.
Sobre o retorno ao Encontro de Culturas, Otamiro apontou a diversidade cultural e étnica do evento como grande atração, “esse Encontro aqui, pra gente, é uma coisa muito importante pra nossa vida, porque a gente teve, eu posso dizer pra você em quase todo canto do Brasil, mas essa festa aqui, pra gente, é muito importante porque é uma coisa diferente, a gente vê que aqui se reúnem pessoas de diversas tribos e nós viemos aqui com a nossa tribo”.